I
Amor nasce do engano
Ao trocar um pelo outro:
Quando pensamos tê-lo,
Outro se apresenta.
Amor, esse doce enlevo,
Tira-nos os pés do chão,
E deixa a cabeça a sonhar,
Leva-nos em direção contrária
À que deveríamos seguir.
Amor – esse mal transformado em bem
–
Trai-nos antes de trair.
Eu fui a seduzida, não a que
seduziu.
Por um enlevo de amor fui atraída
E traída pelo meu próprio amor.
3/04/2017 – 20h46
II
O espírito não ama a carne.
Quem amo não é meu amor.
Meu amor me segue, mas não me vê.
Sou invisível para ele e, ele, para
mim.
O que é o amor senão algo maior que
eu?
Segue-me com o olhar, mas suas mãos
não me tocam.
Amor não escolhe os filhos, nem a
quem amar.
Amor se dá sem ver e tudo que
busquei foi o amor.
Se não fui até ele, o amor me
encontrou,
E me fez escrava de seus segredos.
A quem diria quem eu amava?
Quem vivia como eu?
Se alguém não escolhe o amor,
O amor escolhe o seu par.
4/04/2017 – 12h34
III
Obscuro é o mesmo amor que ilumina.
Suas dobras, sombras e laços
Escondem um lado que se entrevê de
sobressalto.
Esta é a mesma ânsia do amor:
tudo ver,
Tudo saber, tudo ter de uma só vez,
Como se os corpos contivessem o
infinito.
Os corpos não podem conter tanto amor,
Por isso tornam a se amar
Numa febre insaciável.
Os beijos se aproximam
Como margens de um mesmo rio.
E, na sofreguidão que vivem,
O tempo passa sem que eles sintam.
19/04/2017 – 10h30
IV
Minha fragilidade é minha força.
Ao mesmo tempo que me dou, tomo de
volta
Teu olhar e tua mão ao roçar meu
braço.
Detenho-me ao ouvir teu riso
A soar nos ares como trinado de
pássaros.
As árvores sibilam ao vento,
enquanto te espero,
E se vestem de luar para clarear
meus olhos.
Andas à minha volta à minha espera.
Quem sou para ti, que não caibo em
mim?
Que fontes repetem teu nome?
Que saudades sinto que nem eu sei?
Meu sangue tinge as romãs,
E meus olhos veem o céu acima de
tua cabeça.
Sou tua frágil amada à tua espera.
19/04/2017 – 17h56
Acordo de sonhos desfeitos,
Tu e eu, à volta da árvore,
Onde nos beijamos.
Foi este nosso pecado?
Como água para aplacar a sede,
Busco a fonte em teus lábios.
Só tu me sacias a ânsia
Deste amor à beira do precipício.
Na ponta de teus dedos,
Encontro o carinho que procuro.
Em minhas mãos, acolho-te inteiro
Num leito de sedas brancas.
Vivemos até que o amor acabe,
Ou ponha um fim ao nosso amor.
19/04/2017 – 21h34
VI
O amor me conduziu por uma longa
estrada.
Levou-me a Rimini, onde desposei
Giovanni,
Que, embora culto, era manco
E não se importava comigo.
Minha beleza de nada lhe valia:
Eu era apenas um adereço de sua
riqueza.
Nasci em Ravena, e meu pai me deu
Em casamento ao completar vinte
anos.
Mal eu sabia do meu tormento e martírio,
Quando, ao chegar, fui recebida por
Paolo,
Seu irmão, que se desmanchou em
mesuras,
Amando-me desde aquele instante.
Que desventuras me trouxe o amor!
Em que abismos me lancei por
amor!
20/04/2017 – 19h22
Duas famílias em guerra selaram um tratado
de paz,
Um casamento celebrado às cegas,
E minha vida entregue ao senhor de
Rimini.
Aceitei o inaceitável e o destino
me cobrou:
“O que se dá de graça, custa caro
ao ser pago”.
Joguete de grandes forças,
O amor se moveu para me salvar.
O que eu não podia ter em
vida,
Passei a desejar na morte:
Assim teria o que me foi
negado.
“Não se pode negar o amor aos que
se amam”.
Arrebatou-me, seduzindo-me com
palavras,
E, ao lermos sobre Lancelot e
Guinevere,
Paolo me beijou os lábios lívidos
de espanto.
21/04/2017 – 15h45
VIII
Dido e Enéas, Marco Antônio e
Cleópatra,
Helena e Páris, Tristão e Isolda,
Que se entregaram à paixão e à
luxúria,
Vivem no Segundo Círculo do
Inferno,
Onde Dante e Virgílio me encontraram.
A espada nos atravessou e uniu-nos
Num só corpo que gira no vento
eterno.
Eis o que o amor fez por capricho:
Levou-nos por caminhos obscuros
Lançando-nos no fundo da perdição.
De lá, ergo o rosto para chamar meu
amado,
Que clama por mim, e eu respondo
Com o mesmo amor que senti em vida:
A breve vida de um grande amor.
21/04/2017 – 16h10
Segui-te em ventura e recebi de ti
o primeiro beijo.
Tu não eras senão aquele que me
amou por mim mesma.
Sou a senhora das trevas, que viveu
este amor
Em segredo. Quem sou eu, senão uma
pecadora?
Quem sou, senão aquela que viu o
amor chegar
E dele não se afastou?
Cruzei as ruas embandeiradas, o
povo a bradar
O nome que me deram ao nascer.
Para isso vivi: amar a noite e
entregar-me a ela,
Servir-te para que me sirvas,
Tornar-me livre, pois só o amor
Contém todas as respostas que
busco.
Te tornaste meu quando me
conheceste.
Te conheci para me tornares o teu
amor.
18/06/2017 – 15h55
X
Sou Francesca da Rimini.
Casei-me a mando de meu pai
Com um homem sem amá-lo.
Chorei por noites a fio, até vir
seu irmão
Em meu auxílio, dizendo-me para não
desesperar.
Tamanha beleza não merece tanto
sofrimento,
Ele disse, e tudo faria para me
consolar.
Trouxe-me um livro para lermos
juntos
E, daquelas palavras, nasceu nosso
amor.
O que buscamos veio ao nosso
encontro.
O amor está sempre à espreita.
E, dessa busca, surgiu o beijo,
O mesmo que selou nosso destino
E, por causa dele, ceifou nossa
vida.
18/06/2017
– 16h03
Thereza... Tem TANTA referência da Alta Literatura que eu vou precisar de tempo pra produzir um texto à altura do seu - em crítica. Eis que o possível título de melhor poetisa viva do país - teríamos em Adélia Prado outra candidata? - é mais do que justo. O texto é fantástico!
ResponderExcluirReceba minhas melhores.
Do seu: Gustavo.